A história de Alfonso Bovero confunde-se e integra-se à história da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Nascido em Pacetto Torinese, pequena aldeia de Piemonte, Itália, no dia 26 de novembro de 1871, graduou-se em medicina pela Universidade de Turin em 1895, onde iniciou sua carreira anatômica no Instituto de Anatomia Humana Normal da Universidade de Turim, como discípulo de Carlo Giacomini e, posteriormente, de Romeo Fusari.
Como professor assistente, no período de 1897 a 1898 estudou em Berlim, Alemanha, aprefeiçoando-se em Histologia e Embriologia com Oscar Hertwig (1849-1922) e Anatomia com Heinrich Wilhelm Gottfried Waldeyer (1836-1921), este, também professor de Johannes Sobotta (1869-1945).
Após a criação da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo em 1913, a convite de seu fundador e primeiro diretor, Professor Arnaldo Vieira de Carvalho, o Professor Bovero assumiu as Cátedras de Anatomia Descritiva e de Histologia. Sua aula inaugural foi ministrada em 25 de abril de 1914 no solar arrendado de D. Victória Pinto de Almeida Lima, situado no número 42 da Rua Brigadeiro Tobias. No número 1 da mesma rua, funcionava a cátedra de Histologia, no solar do brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar.
Sobre a sua preleção de estréia, testemunhou Ernesto de Souza Campos, que viria a ser o seu substituto na Cátedra de Histologia “…feita perante os alunos da Faculdade, foi assistida pelo Doutor Arnaldo. Momentos depois, na sala da diretoria, Arnaldo não escondia o entusiasmo, pela escolha que fizera. Cirurgião famoso e atento estudioso dos problemas anatômicos pode, o fundador da escola médica de São Paulo, compreender, por esta simples prova, o alcance que teria o seu gesto, pondo na direção desses estudos, um mestre que se revelara com tal envergadura. Não foi diferente o julgamento dos alunos; entre eles se achava quem escreve estas notas biográficas e da sua memória, jamais se apagará este primeiro encontro com o mestre. Naquela aula, ficara definida uma individualidade…”.
Nos vinte e três anos que trabalhou em São Paulo, dedicou-se à carreira de Mestre e pesquisador no domínio da Anatomia macroscópica e microscópica, alcançando reputação internacional. Promoveu, também, o intercâmbio cultural entre o Brasil e a Itália, sendo um dos fundadores do Instituto Ítalo-Brasileiro de Alta Cultura. Em reconhecimento à sua extrema dedicação, foi agraciado pelo governo brasileiro em 1936 com a comenda de Grão-Mestre da Ordem do Cruzeiro do Sul.
Com essa postura, o Professor Bovero se manteve entre nós, até o final do ano letivo de 1936 quando, então, embarcou para a Itália, a fim de passar as suas costumeiras férias escolares, na Cidade de Turin. Foi uma viagem da qual nunca mais retornou, pois, na madrugada do dia 9 de abril de 1937, como ilustrado por seu estimado discípulo Renato Locchi: “…a morte parecia respeitá-lo e a medo e a custo abateu o gigante: respeito àquele que tanta vida dera às coisas mortas… Sem alardes, quis ser e foi levado, através da ‘colinas verdes em flor’, para aquele recanto de repouso do seu querido Pecetto.”.
Sua obra extrapolou, em muito, os limites da Ciência Anatômica, como pode ser comprovado nas palavras de Durval Bellegrade Marcondes, aluno de Bovero e psicanalista discípulo de Franco da Rocha, publicadas por ocasião de sua morte: “…foi, sem dúvida, o professor Bovero que deu a mais fiel expressão ao ideal sonhado por aquele que foi e será sempre o gênio protetor da nossa Faculdade, o totem sagrado de nossa tribo – Arnaldo Augusto Vieira de Carvalho. Ao firmar um padrão para a jovem cultura médica de São Paulo, foi Arnaldo encontrar na figura insigne de Alfonso o mais perfeito modelo pelo qual se traçasse o perfil da nova geração”.
O acervo do Museu de Anatomia Humana “Prof. Alfonso Bovero ( MAH )” foi gradativamente formado a partir da metade de um esqueleto desarticulado, acrescido de uma pequena coleção de peças humanas para demonstração, quando do início das atividades do Professor Bovero em 1914, como docente da então Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo.
Durante todo o período em que trabalhou no Departamento de Anatomia (1914 à 1937), juntamente com a sua primeira geração de discípulos (dentre eles, Renato Locchi, Odorico Machado de Sousa, Procopio Bielik), o Prof. Alfonso Bovero montou um rico acervo de peças anatômicas para fins didáticos, preparadas não somente por método de dissecção, mas também por técnicas especializadas, como a diafanização, a injeção e a corrosão. Ampliado ao longo do tempo pelos trabalhos dos discípulos da segunda geração como Cláudio Antonio Ferraz de Carvalho, Luiz Gustavo Wertheimer, Guarany Sampaio e João Baptista Parolari, e de vários colaboradores (destacando-se o eminente cirurgião Waldomiro de Paula), o acervo passou a ser alvo de visitação pública regular em meados da década de 1960, nos próprios da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, onde permaneceu até o ano de 1996. Transferido no início de 1997 para Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira, o MAH foi inicialmente alocado no Bloco 3 e, em 1999, para o Edifício Biomédicas III da Cidade Universitária, onde permanece até hoje.
Além de peças anatômicas dos diversos sistemas do corpo humano preparadas com esmero, o MAH conta também com uma coleção de crânios identificados, utilizados em pesquisas relacionadas a diferentes áreas como a antropologia, e a odontologia e medicina legais.